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Início » 2013 » Junho » 5 » Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e a Zona Franca de Manaus
5:59 AM
Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e a Zona Franca de Manaus
Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e a Zona Franca de Manaus

 
O Parque Industrial de Manaus, como centro gerador de emprego e de quase todo o PIB, no Estado do Amazonas, produz, também, contraditoriamente, uma gama de doenças ocupacionais, relacionadas a movimentos repetitivos e automáticos, consequência natural do tipo de atividade desenvolvida pelos trabalhadores. Enfrenta um dilema. Inserido num contexto mundial altamente competitivo, de produção de tecnologia de ponta, com exigências de índices de produtividade cada vez mais ascendentes, não há como prevenir, com cem por cento de eficiência, as lesões laborais.

Trabalhadores reclamam de exigências para produzir sempre mais e mais com o mesmo contingente de mão de obra e prática de horas extras. É uma estratégia empresarial de redução de custos, nas crises econômicas: produzir mais e velozmente com menor contingente de operários, sob a pena de perder competitividade. A economia sempre haverá de se defrontar com essa lei imperativa. O trabalhador, também, enfrenta um paradoxo: precisa do emprego, mas não pode sofrer lesões.    

As empresas, quando demitem, se respaldam em exames médicos, com a indicação de aptidão ao trabalho. O Sindicato, por sua vez, denuncia o duplo critério dos exames: admissional e demissional. Para o exame demissional, não há o mesmo rigor e zelo exigidos no exame admissional; neste, o critério rigoroso visa bloquear a possibilidade de admissão de pessoas já afetadas por lesões em empregos anteriores. No outro, demissional, facilitar a dispensa.  Se assim é, temos um círculo vicioso maléfico. A empresa descarta empregados inaptos para outro emprego no seu ramo de trabalho.           

Não havendo um trabalho preventivo e de acompanhamento de doenças ocupacionais, é um caso cuja visibilidade só aparece num momento de crise econômica mundial ou de dificuldade econômico-financeira da empresa. Sendo obrigada a demitir, segue o critério de dispensar os menos produtivos e, junto com eles, os lesionados. São consequências da economia global. Num ambiente altamente competitivo, ao ritmo dos países asiáticos, com padrão mundial de velocidade de operação, o trabalhador, de regra, tem uma prioridade secundária.

Para amenizar esse determinismo, há o paliativo de medidas protetivas de saúde e segurança, de ordem pública; aliás, as temos em abundância. O problema todo é fazê-las funcionar, na prática.

Competindo com centros avançados, em ritmo veloz de produção manual, nosso parque industrial carece de pesquisas de ambientes de trabalho e de práticas de trabalho; já devíamos ter isso, através de alguma faculdade ou universidade, pesquisadores de ambientes e práticas laborais, para formação de uma literatura a respeito das consequências do trabalho manual repetitivo, em nossa economia local; assim como há o Estudo de Impacto Ambiental, para obras de engenharia de grande vulto, devia haver o Estudo de Impacto dos meios de produção na saúde do trabalhador local. A fiscalização do Trabalho não desce a tais detalhes; fica na verificação da existência de exames médicos e de Equipamentos de Proteção Individual.

A preocupação imediata do trabalhador é a sobrevivência; sem tradição sequer de relacionamento de independência com o sindicato, dificilmente ou nunca provoca a criação de uma Pauta de reivindicação coletiva, de atributos trabalhistas do dia a dia, diretamente relacionados com a saúde. O órgão de representação coletiva, o sindicato, tem deixado à parte esse aspecto, um dos mais importantes atributos de suas finalidades maiores, ainda mais num centro industrial como a Zona Franca de Manaus; e não quero me referir apenas aos metalúrgicos, embora as considerações presentes lhe digam mais respeito. Mergulhados em questiúnculas de somenos importância, - e até de natureza fútil - como brigas políticas internas. Voltados, também, para casos pontuais, do dia a dia, surgidos aqui e ali, e para discussões de formalização de instrumentos coletivos, nas datas bases - quando se discutem apenas índices de reajustes - os sindicatos perdem de vista o alcance da missão maior de discutir problemas realmente relevantes, afetando, de forma coletiva, a Categoria.

Portanto, precisamos de estatística; o Sindicato é uma boa fonte, além dos órgãos oficiais - como o INSS -, para criar bancos de dados, em instância de homologação de Rescisões de Contrato de Trabalho, por onde devem passar, obrigatoriamente, todos os empregados demitidos, com mais de um ano de empresa e, também, através de uma política de investigação dos motivos de demissão dos empregados com menos de um ano de trabalho. O Serviço de Homologação de Rescisão de Contrato de Trabalho não é apenas uma instância para conferência de direitos trabalhistas básicos, como férias, décimo terceiro salário, horas extras. Não. Ela oferece a oportunidade de coleta de informações preciosas sobre as empresas. No ato da homologação, tem-se a oportunidade de verificar depósitos de FGTS, recolhimento de contribuições previdenciárias, práticas de trabalho e, principalmente, as condições de segurança do trabalho e incidência e riscos de acidentes. 

a)    Caso viesse o sindicato a constatar, nas homologações, durante certo lapso de tempo, incidências anormais, em determinada empresa, de situações e condições prejudiciais à saúde dos operários, movimentaria seu poder de representação coletiva, no sentido de verificar as práticas de trabalho, e exigir levantamentos técnicos, seguidos de recomendações de adoção de medidas corretivas e preventivas, se não para eliminar totalmente os fatores e condições de risco, pelo menos para mantê-los controlados. Com esse banco de dados, dispor de um padrão mínimo de conhecimento da realidade das empresas, para cobrá-las. 

b)   Detectados aspectos prejudiciais, com casos de índices de incidências anormais, a empresa passaria a ser monitorada, no sentido de não praticar horas suplementares; seria demandada a adotar medidas preventivas, e, até, criar horários de trabalho especiais, conforme alguns acordos já firmados por alguns sindicatos; e, ainda, não seria atendida em suas demandas de acordos de prorrogação de horário de trabalho; não teria a autorização do Ministério do Trabalho para atividades aos domingos e feriados, nem redução de intervalo para descanso e refeição e, por cima, passaria a ser alvo de fiscalizações mais frequentes, até a adoção de um sistema preventivo eficaz.  

Do contrário, é de se esperar, sempre, a dispensa de uma porcentagem de trabalhadores, com média de dois a três anos de tempo de trabalho, sem sequer o direito de fazer parte das estatísticas. Em outras palavras, a empresa está, a cada ano, fabricando seu produto e, junto com ele, uma leva de doentes. Sem estatística, não há como saber a participação negativa de cada empresa no custo social criado, nem dispor de referências para orientação das prioridades de atuação.

Há uma estatística oficial de acidente do trabalho, elaborada pelo INSS. Estamos propondo outras: de casos de doenças ocupacionais não submetidas ao INSS ou não reconhecidas por sua perícia, embora detectadas em exames particulares. O papel mais importante cabe ao Sindicato, na criação de um banco de dados estatísticos, na faculdade de recusar acordos de prorrogação de horário de trabalho, banco de horas, trabalho aos domingos e feriados; na preocupação de incluir, nos instrumentos coletivos, cláusulas sobre segurança e medicina do trabalho; no poder de demandar estudos de risco das práticas de trabalho manual; na iniciativa de denunciar casos fora do padrão aceitável e, através do seu poder de representação junto aos órgãos administrativos e judiciais, acionar tais instâncias, se não consegue resolver diretamente com a empresa.      

É um assunto de interesse geral - do trabalhador, Ministério do Trabalho, Ministério Público, Previdência Social - pelo qual têm obrigações legais de vigilância; Estimativas não oficiais, de organizações sociais atualmente dedicadas a essa questão, dão conta de mais de trinta mil lesionados. Precisamos de estatísticas confiáveis, para avaliarmos a importância do assunto e enfrentá-lo com argumentos convincentes e irrefutáveis.

Os trabalhadores demitidos com lesões devem passar por avaliação médica, em planos de saúde do sindicato ou no SUS ou no INSS, e, se realmente estão afetados por doença do trabalho, devem ter o tratamento devido. A empresa, além de exortada a adotar medidas preventivas, deve ser incluída numa lista "negra”, para monitoramento.

Pomos, agora, a grande questão: E não sendo possível a eliminação total do risco? Eis o dilema. A meu ver, não há como eliminar totalmente as causas de doenças ocupacionais em determinados ramos de atividades; a não ser fechando a empresa. Portanto, faz-se necessário adotar, como medidas preventivas, necessariamente as melhores práticas de prevenção conhecidas no mercado mundial, para cada atividade específica. Dessa forma, a empresa terá o respaldo moral para justificar os casos fortuitos e de força maior fora de seu controle. Nas instâncias de fiscalização e judiciais poderá se defender sem sentimento de culpa e subterfúgios.   

Não estamos aqui presumindo culpa de ninguém. Ao contrário, propondo medidas necessárias e úteis, de caráter preventivo, para resguardo da integridade física e moral do trabalhador e, ao mesmo tempo, para segurança jurídica das empresas, pois, não sendo possível, em alguns casos, eliminar totalmente os riscos, a empresa terá a oportunidade, nas instâncias próprias, da apresentar o forte argumento de mostrar a adoção das melhores práticas mundiais de prevenção de acidentes e doenças ocupacionais. De certa forma, terá explicações aceitáveis a dar à sociedade. Não é possível mais admitir, no contexto atual de evolução tecnológica, a morte de trabalhadores prensados no interior de máquinas, quando estão fazendo manutenção.

Escrevi o presente texto com base em experiências vividas, na Seção de Relações do Trabalho, em procedimento de Mediação. Na oportunidade, detectamos, entre grande quantidade de empregados demitidos - e não só em uma empresa – uma porcentagem considerável de lesionados, por esforço repetitivo, como se estivessem sendo descartados num momento de demissão em massa, em função de crises econômicas. Não queremos entrar no mérito da questão. Temos certeza de uma coisa: todos os agentes envolvidos com questões trabalhistas devem ter, no topo de suas listas de prioridades, a Pauta de Prevenção de Acidente de Trabalho e, com mais razão, as empresas.

Em nome da transparência e para informação à sociedade, nessa questão de ordem pública, pugnamos pela criação de uma estatística mensal pública. Nela, as empresas devem aparecer com seus índices de acidentes, para serem monitoradas, em processo contínuo de acompanhamento, para conhecimento da sociedade e imposição de obrigações moral e ética de reduzir a incidência de acidentes.

Estamos acompanhando a movimentação de uns poucos sindicatos bem intencionados, no sentido de efetivar os comandos do Decreto nº 7602, de 07 de novembro de 2011- Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho – PNSST. A eles, nossas congratulações. A grande maioria,no entanto, está pecando por omissão. Constatamos através da leitura dos Instrumentos Coletivos negociados e depositados no Ministério do Trabalho. Não mobilizam o imenso poder de representação. Imiscuem-se em política partidária. Estão sofrendo uma crise de representatividade, perpetuadas por eleições em assembleias vazias. Não se deram conta, ainda, da necessidade de recuperar o prestígio, para se tornarem respeitados pela credibilidade. Estamos em pleno século vinte e um e ainda não conquistaram o direito de acesso aos locais de trabalho de seus representados.

As empresas não devem esperar cobranças, a fim de se modernizarem. Devem procurar o destaque de exemplo e modelo, atributos de poucas. 

A título de exemplo, e até para quebrar um pouco a aridez do tema, narrarei a experiência de uma Mediação, na mesma linha da empresa dispor de um bom sistema de prevenção de acidentes. Por motivos óbvios, não revelarei os nomes das partes.

Cerca de 30 empregados vieram denunciar as condições de insalubridade da empresa, do ramo de fabricação de cimento. Convidamo-la, para uma mesa redonda, com a presença do sindicato.

Em mesa, as partes expuseram suas razões. Os empregados pontuaram suas queixas nos seguintes termos: excesso de poeira, calor intenso à beira do forno, Equipamentos incômodos de Proteção Individual.

A empresa, em contrapartida, discorreu sobre seu sistema de segurança e medicina, desafiando a todos a apontar um mais moderno, na atualidade.

As reclamações dos empregados tinham fundamento. De fato, não era possível eliminar totalmente o escape de poeira, nem a intensidade do calor do forno. Ademais, apesar de todo aparato mais moderno para amenizar os efeitos da insalubridade, pagava o adicional pelo índice máximo. Mostrou, ainda, um argumento poderosíssimo. Não tinha histórico de acidentes, nem trabalhadores afastados para a Previdência. Mantinha rígida vigilância sobre os reincidentes em não usar os equipamentos, punindo-os com justa causa. 

Diante de tal realidade, não há como não reconhecer o impasse a favor da empresa. Estávamos diante de um dilema: ou fechar a empresa ou fechar a empresa. Ofereceu ainda a opção de dispensa sem justa causa a quem quisesse se desligar. Ficamos de mãos atadas. Não havia nada mais a fazer para amenizar os índices de insalubridade, por pura falta, no mercado, de alternativa melhor de sistema de segurança.

Restou apenas um sabor amargo de sentimento de impotência na boca do Mediador. Por quase quinze anos no ofício, aquela foi a segunda ou a terceira vez a testemunhar a existência de uma empresa com um sistema de segurança completo e eficiente. Um caso típico de exceção, quando devia ser a regra.    

  Francisco das Chagas Oliveira Rodrigues
  Bacharel em Direito
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