A legislação trabalhista, antes da Constituição
Federal de 1988, no artigo 59 da CLT, previa uma Jornada de Trabalho padrão,
para os trabalhadores do setor privado, não pertencentes, em geral, a
profissões regulamentadas: 8 horas diárias e 48 semanais. Esta previsão legal perdurou
por quase sessenta anos, até o advento da Constituição Federal de 1988, a qual,
apesar de ter mantido o padrão de duração normal diária de 8 horas, quebrou o
módulo semanal de 48 horas, reduzindo-o para 44 semanais. Não por liberalidade
do legislador. Assim como a conquista do limite de 8 horas diárias e 48
semanais se fez com lutas dos trabalhadores, em todo mundo, até a adoção pela
OIT, em 1919, também a redução, no Brasil, de 48 para 44 horas semanais,
resultou de reivindicações de organizações do trabalho, num momento de grande
ebulição social, quando o país reconquistava a Democracia, através de uma nova
Carta magna.
Nessa linha de reforma, sob a pressão popular, a
Constituição Federal teve o excesso de zelo de cuidar de atributos das relações
de trabalho dotados de natureza de objeto próprio da legislação
infraconstitucional;
Na
questão da Duração do Trabalho, instituiu a jornada de seis horas para os
trabalhadores em turno ininterrupto de revezamento – inciso XIV, do art. 7º. Reduziu
o módulo padrão semanal de 48 horas para 44 – inciso XIII do art. 7º - pelo
qual estabeleceu, também, a faculdade de compensação de horário e redução de
jornada por Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho.
Desse comando, nasceu a Escala de 12/36. Citemo-lo: "Duração do trabalho normal não superior a
oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de
horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de
trabalho”.
Os atores sociais, lançando mão do comando
constitucional de natureza conceitual, logo passaram a exercer a inesgotável criatividade,
na direção de quebrar o padrão de duração de jornada de 8 horas, para elevá-la
até 12, dada a impossibilidade de fazê-lo com o recurso de horas extras, em
virtude da limitação a duas horas diárias, conforme art. 59 da CLT.
Surgiram, então, variados tipos de Escalas de
Trabalho: a) 12 horas de trabalho por trinta e seis de descanso; b) 12 horas de
trabalho por 24 de descanso, etc. Não convém entrar na análise de mérito das
demais, se a reconhecida pela jurisprudência e pelo Ministério do Trabalho é
somente a 12/36.
Como, infelizmente, quando as regras são deixadas ao
arbítrio das partes beneficiárias há desvirtuamento, a jurisprudência passou a
se preocupar com a questão, evoluindo no sentido de admitir a legalidade da
escala 12/36, a ponto de o próprio Tribunal Superior do Trabalho já a ter
ratificado, através de Orientação Jurisprudencial e súmula:
ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 388. JORNADA
12X36. JORNADA MISTA QUE COMPREENDA A TOTALIDADE DO PERÍODO NOTURNO. ADICIONAL
NOTURNO. DEVIDO. (DEJT divulgado em 09, 10 e 11.06.2010).
O empregado submetido à jornada de 12 horas de trabalho por 36
de descanso, que compreenda a totalidade do período noturno, tem direito ao
adicional noturno, relativo às horas trabalhadas após as 5 horas da manhã.
Recentemente, emitiu a súmula 444:
Súmula nº 444 do TST
Jornada de trabalho.
NORMA COLETIVA. LEI. Escala de 12 por 36. Validade. - Res. 185/2012,
DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 - republicada em decorrência do
despacho proferido no processo TST-PA-504.280/2012.2 - DEJT divulgado em 26.11.2012
É valida, em caráter excepcional, a jornada de doze horas de trabalho por
trinta e seis de descanso, prevista em lei ou ajustada exclusivamente mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção
coletiva de trabalho, assegurada a remuneração em dobro dos feriados
trabalhados. O empregado não tem direito ao pagamento de adicional referente ao
labor prestado na décima primeira e décima segunda horas.
O Ministério do Trabalho, na mesma linha, emitiu o PRECEDENTE ADMINISTRATIVO Nº 81:
PRECEDENTE ADMINISTRATIVO Nº 81
REGIME DE COMPENSAÇÃO. JORNADA
DE TRABALHO 12 X 36 HORAS. ADMISSIBILIDADE.
Não obstante a
limitação do art. 59, caput, da CLT, admite-se o regime de compensação 12 x 36,
quando previsto em convenção coletiva e praticado em atividade que não exige esforço constante e intenso,
devido às vantagens que proporciona ao trabalhador: descanso de 36 horas entre
as jornadas, menor número de deslocamentos residência - trabalho - residência,
duração do trabalho semanal inferior a 44 horas.
Referência normativa:
art. 7º, XIII da Constituição Federal.
E também firmou posição
através do PARECER/CONJUR/MTE/199/2007, de 16 de maio de 2007.
Desta forma, embora ainda não autorizado por lei, o
Regime de compensação de jornada 12/36 está consagrado pela jurisprudência e
pelo órgão administrativo, MTE, responsável pela fiscalização da legislação
trabalhista em nosso país.
Portanto, como operador do direito, na Chefia da Seção
de Relações do Trabalho, quero abordar a matéria por um ângulo prático, como
testemunha dos acontecimentos no mundo do trabalho. Na realidade, temos visto
Instrumentos Coletivos de Trabalho instituindo a Escala 12/36 sem a
contrapartida de nenhuma outra vantagem aos empregados, inclusive com Piso da
Categoria em nível de Salário Mínimo Nacional. Um acordo nesses termos gera a
suspeita de falta de compromisso da entidade sindical para com a categoria de
sua base de representação. Outra ilegalidade diz respeito à dispensa de
consulta em Assembleia Geral, pois os trabalhadores, em grande número,
comparecem ao órgão de fiscalização para reclamar e postular a anulação. É uma
pena. A entidade sindical devia usar sua prerrogativa de titular do direito de
permitir a prática da Escala para, em troca, nas negociações, barganhar
vantagens.
Outro aspecto omitido pelo Sindicato diz respeito à
duração da Escala no turno da noite. Durante o dia, não há problemas; a Escala
fecha em 12 horas; exemplo: de 6 às 18 horas, com um intervalo de 1 hora para
refeição e descanso, totalizando 11 horas efetivamente trabalhadas.
No turno da noite, porém, temos a questão da Hora
Reduzida. Se o trabalho é de 18h00min as 06h00min, como é a regra, nesse tipo
de Escala, o horário de trabalho é de 13 horas, em função da hora reduzida
noturna. Com o intervalo de uma hora para descanso, resultam 12 (doze) horas,
das quais 11 efetivamente trabalhadas e uma fictícia (ficção legal). Em outras
palavras, a carga horária real, efetiva, é a mesma do dia: 11 horas. No
entanto, por imposição legal, há mais uma hora. Como devem as entidades
sindicais cuidar dessa questão? Não há alternativa senão exigir o pagamento da
hora reduzida noturna, além da prolongação do horário noturno, depois das 5
horas, se o empregado laborou conforme exigência da OJ 388. Assim, para o turno
da noite, devem ser obedecidos os seguintes parâmetros:
a) Considerar a hora reduzida. Se o empregado trabalha
de 18h00min as 06h00min, labora 13 horas (embora, de fato, só tenha trabalhado
12; com o intervalo para descanso, resultam em 11). Porém, legalmente, há mais
uma hora, resultante da hora reduzida no horário noturno de 22h00min as 5h00min
horas. Essa hora reduzida deve ser paga como Extra, salvo se a empresa reduzir
a jornada de trabalho em uma hora. Fundamente-se tal recomendação pelo
princípio da isonomia. A lei prevê a condição mais benéfica do horário reduzido
noturno para o trabalho à noite. Levado o comando legal ao pé da letra, a
Escala 12/36 devia ter apenas 10 horas efetivamente trabalhada no turno da
noite, considerando o intervalo de uma hora para descanso e uma reduzida. Se
assim fosse, ter-se-ia problema com a continuidade operacional, na mudança de
turnos. Portanto, as partes ajustem a carga horária de 11 horas efetivamente
trabalhada, criando, para o turno da noite, a obrigatoriedade do pagamento de
uma hora reduzida.
b) Deve ser
exigido o Horário Intrajornada, para descanso, conforme Orientação
Jurisprudencial 372, do TST.
c) Se o empregado trabalha durante todo o período do
Horário Noturno, de 22h00min as 5h00min, deve ser observada a OJ 388, do TST,
para pagamento do adicional noturno prolongado
após às 5h00min.
d) Se houver trabalho em feriado, deve ser pago em
dobro; súmula 444, do TST, salvo se concedido outro dia de folga.
e) Outra condição impeditiva à aplicação da Escala
12/36: em sendo adotada, necessariamente haverá trabalho aos domingos e
feriados. Para trabalhos nesses dias, é imprescindível a autorização do
Ministério do Trabalho – art. 68 da CLT – salvo se a atividade da empresa
constar da relação do Decreto 27.048/49 (relação de empresas autorizadas a trabalhar em domingos e feriados).
f) No meu entendimento pessoal, a previsão de Trabalho,
em Convenção Coletiva de Trabalho, na Escala 12/36, devia constar de cláusula
de aplicação não imediata, condicionando a adoção da Escala à exigência de
Acordo Coletivo de Trabalho entre o sindicato e cada empresa interessada, pois
a Convenção Coletiva abre um leque de autorização muito amplo, geralmente em
decisões saídas de Assembleias sem representatividade; Com o Acordo Coletivo, a
consulta aos trabalhadores é mais específica e legítima.
Relativamente à fiscalização do trabalho, cabe aos
auditores entrevistar os empregados, para saber se aprovaram a Escala de
Trabalho em Assembleia, em Acordo Coletivo ou Convenção Coletiva de Trabalho;
do contrário, a Escala é ilegal e poderá haver autuação e pedido de
providências, junto ao Ministério Público do Trabalho, para representação
contra a prática de jornada de trabalho irregular; cumpre verificar, também, se
a carga horária é suportável e não está provocando risco de acidente, como
cansaço e estafa; apurar o nível de satisfação e conscientizar os trabalhadores:
se não lhes é benéfica a Escala, podem não renová-la quando expirar o prazo de
vigência do Instrumento Coletivo de Trabalho.
A nosso ver, as condições acima elencadas devem fazer
parte do instrumento Coletivo autorizativo, quer o Acordo Coletivo quer a
Convenção Coletiva de Trabalho, para não restar dúvidas na aplicação.
Afinal,
só é possível a prática da Escala 12/36 mediante negociação Coletiva de
Trabalho. Sendo sua adoção de interesse da empresa, só deve o sindicato concordar
se não trouxer prejuízo aos empregados e forem garantidos todos os direitos
trabalhistas previstos legal e jurisprudencialmente.
Francisco
das Chagas Oliveira Rodrigues
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